March 14, 2006

2. PROTOCOLO DE TRATAMENTO

PROTOCOLO DE TRATAMENTO
(Neoplasia Trofoblástica Gestacional)
Paulo Belfort

INTRODUÇÃO

Descritivamente, mantém-se atual a clássica nomenclatura proposta por Ewing, em 1910, ratificada pela União Internacional de Combate ao Câncer (UICC) das três formas clínicas da Neoplasia Trofoblástica Gestacional (NTG):
· Mola Hidatiforme
· Mola Invasora
· Coriocarcinoma, ora acrescida de uma quarta forma
· Tumor Trofoblástico do Sítio Placentário (PSTT)
Em 1977 Kajii e Ohama estabeleceram as peculiaridades citogenéticas da mola hidatiforme, nomeando-as mola completa (MC) e mola parcial (MP)
Em 2000, à ocasião da reunião em Washington (EE.UU) do Comitê de Oncologia da Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO) foi proposto novo estadiamento, divulgado em 2002. Nesse evento foi recomendado que o termo neoplasia trofoblástica gestacional (NTG) deveria substituir doença trofoblástica gestacional (GTD).
Tornando-se necessário tratar a neoplasia trofoblástica gestacional, cumpre estadia-la conforme vai abaixo estampado:
Estadiamento anatômico da neoplasia trofoblástica gestacional
Estadiamento I – Lesão limitada ao útero.
Estadiamento II – Lesão limitada à pelve
Estadiamento III – Presença de metástases pulmonares
Estadiamento IV – Presença de metástases em outros sítios, cérebro e fígado em especial.
Além do estadiamento clínico tornou-se necessário definir o risco, obtido a partir do sistema de contagem de fatores prognósticos proposto por Bagshawe et al em 1987 e modificado em 2000 pela Sociedade Internacional para o Estudo da Doença Trofoblástica (ISSTD) abaixo transcrito. À paciente é atribuído estadiamento representado por números em romano I, II, III e IV separados por dois pontos (:) da soma de todos os fatores de risco expressos em números arábicos e.g estadiamento III:5, estadiamento IV:9 e assim sucessivamente.

PROTOCOLO
Diagnóstico
Clínico
Sangramento vaginal - É o elemento clínico mais constante. Esteve presente em 99% de 124 casos por nós analisados até 1984 e em 76,9% nos últimos anos, mercê do diagnóstico precoce feito pela ultra-sonografia. Em raras oportunidades vesículas molares podem ser eliminadas, selando o diagnóstico. É sangramento indolor, de repetição e mais abundante a cada novo episódio.
Volume uterino – Na mola completa o útero pode apresentar-se de volume normal (30-40%), pequeno (15-20%) ou grande para a idade gestacional (50%) . Considera-se útero grande para a idade gestacional quando seu volume corresponde a mais 4 semanas do período de amenorréia
Hiperêmese – Vômitos incoercíveis estão presente de 20% a 25% dos casos de mola,
Toxemia precoce – Pode ocorrer hipertensão, edema e proteinuria em cerca de 15% a 30% dos casos.
Cistos tecaluteínicos dos ovários - Uni ou bilateraIs, resultam da estimulação de hCG sobre a teca dos ovários. Sua incidência é variável – de 20% a 50% - , na dependência dos níveis de hCG e da avaliação ultra-sonográfica; menos freqüentes na mola parcial. Costumam regredir espontaneamente acompanhando o declínio dos níveis de hCG. O tratamento cirúrgico é formalmente contra-indicado, exceto nos casos de complicação como rotura dos cistos e torção dos pedículos causando quadro de abdome agudo.
Laboratorial
1. Ultra-sonografia – Na atualidade praticamente todas mulheres com suspeita ou sabidamente grávidas, são submetidas a exame ultra-sonográfico após breve atraso menstrual. Em particular quando sangram. Por essa razão o diagnóstico de mola faz-se hoje, cerca de 80% das vezes, através desse exame. As imagens obtidas são quase patognomônicas. Na mola completa vêem-se, na cavidade uterina , ecos amorfos aos quais, de entremeio, misturam-se formações arredondadas, anecóicas, de tamanho variado, indicativas das vesículas.
2. Dosagem da gonadotrofina coriônica - Fundamental para o diagnóstico e indispensável para o acompanhamento da mola após o esvaziamento uterino. O hormônio gonadotrópico coriônico, fração beta, (hCG) é marcador biológico de valor inquestionável pois monitora a evolução da doença, sinala a remissão, ou ao revés, persistência, invasão ou transformação maligna.
A dosagem é feita mediante técnica de radioimunoensaio (RIE) que detecta a subunidade beta no soro ou no plasma. Há os que utilizam anticorpos monoclonais para a determinação da b-hCG total (molécula intacta de hCG + subunidade b livre), no soro ou plasma. Outros métodos sensíveis foram desenvolvidos, entre os quais o ELISA, que é um ensaio imunoenzimático, e o MEIA, que é um ensaio imunoenzimático por micropartículas.
3. Exame histopatológico – Todo e qualquer material retirado da cavidade uterina deve ser sistematicamente submetido a exame histopatológico para comprovar a neoplasia trofoblástica gestacional. O exame microscópico dos tecidos permite distinguir a mola completa da mola parcial.

Esvaziamento uterino
Vacuo-aspiração - Estabelecido o diagnóstico segue-se o esvaziamento uterino que será feito – idealmente – mediante vácuo-aspiração. A sucção é realizada por meio de dispositivo elétrico – melhor e mais eficiente - ou manual (AMIU – Aspiração Manual Intra-Uterina). Não se dispondo de aparelho de aspiração, o modo de esvaziamento uterino dependerá do volume do útero. Se normal ou pequeno, pode-se recorrer à dilatação e curetagem (D&C); se volumoso, melhor promover o esvaziamento em dois tempos: administração de prostaglandinas e, reduzindo-se o tamanho da matriz, realizar D&C. Raspado de útero volumoso traz o risco imanente de perfuração, agravando o caso, transformando mola trivial em invasora.
É indispensável perfundir ocitocina, por via intravenosa, no curso do esvaziamento uterino.
Ocitocina e Prostaglandinas – São empregados consoante referido acima.
Histerotomia – Não se justifica, na atualidade, esvaziar o útero através de histerotomia. Única exceção seria caso de sangramento profuso, pondo em risco a vida da paciente. Em tal eventualidade seria de cogitar-se, também, realizar histerectomia.
Seguimento pós-molar
Deve ser sistemático, pontual e rigoroso a intervalos semanais enquanto permanecerem detectáveis os níveis de hCG. Na atualidade aconselha-se – havida remissão definitiva - revisão anual até o fim da vida. Consiste de:
Exame pélvico – Deve ser feito a cada consulta para visualizar sangramento, conteúdo vaginal, volume do útero e, eventualmente, detectar metástases.
Dosagem de hCG – A intervalos semanais após o esvaziamento uterino, até obtenção de três dosagens consecutivamente normais (<5mu/ml)>35-40 anos) com prole constituída e, em especial aquelas cujo seguimento se mostrar inconstante, podem ser submetidas a histerectomia total profilática. Nos casos de risco, pode tornar-se necessária quimioterapia profilática.
Tratamento
· Primário (esvaziamento uterino) de preferência mediante vácuo-aspiração consoante descrito
· Secundário (definitivo) Quimioterapia
Fatores de risco
· Útero grande para a idade gestacional
· Nível de hCG antes do esvaziamento uterino > 100.000 mU/mL
· Cistos tecaluteínicos bilaterais dos ovários.
Indicações da quimioterapia
· Nivelamento dos níveis de gonadotrofinas em três ou mais dosagens consecutivas, elevação em duas dosagens seguidas independentemente do tempo transcorrido do esvaziamento uterino.
· Aparecimento de metástases: pulmonares e vulvo-vaginais. A quimioterapia pode ser omitida em excepcional circunstância quando os níveis de hCG estiverem declinando.
· Evidência de metástases no cérebro, fígado, sistema gastrintestinal ou imagem radiológica de opacidade pulmonar > de 2cm na radiografia do tórax.
· Diagnóstico histopatológico de coriocarcinoma.
· Sangramento vaginal maciço ou evidência de hemorragia gastrintestinal ou intraperitoneal.
· Níveis elevados de hCG 6 meses após o esvaziamento uterino, mesmo se os teores do hormônio estiverem diminuindo.

Regimes terapêuticos
Estadiamento I, II e III de baixo risco (<6):>7): regime de agente único, metotrexate (MTX) com “resgate” de ácido folínico (Regime MTX/FC). É regime de 8 dias. Administrar metotrexate 50mg por via intramuscular nos dias 1, 3, 5 e 7, fazendo o “resgate” com 5mg de ácido folínico (fator citrovorum - FC) por via oral ou intramuscular, 24 horas após cada dose do MTX: dias 2, 4, 6 e 8.
Pelo geral, 1 a 2 ciclos desse regime induz remissão em 60% dos casos; não havendo remissão empregar, em seqüência, actinomicina-D 8μg a 15μg por quilo de peso (média 12μg) em infusão venosa diária, durante 5 dias. Observar intervalo de 7 a 14 dias entre sucessivos ciclos. Ao fim de cada ciclo é indispensável, avaliar crase sangüínea e função hepática : hemograma completo, plaquetometria e transaminases.
Estadiamento III, IV (ou mesmo I e II) de alto risco (>7): o regime preferente em todo o mundo é o EMA/CO que associa etoposide, metotrexate, actinomicina-D, resgate de ácido folínico, ciclofosfamida e oncovin.
Existem diversos regimes alternativos que somente a experiência e o tirocínio clínico permitem empregar.
Efeitos tóxicos
Os regimes de quimioterapia com agente único são pouco tóxicos. São relatados: estomatite, úlceras orogengivais, mielotoxicidade, intoxicação hepática, lesões cutâneas, náuseas e vômitos. Actinomicina-D pode causar alopecia, sendo este efeito inevitável quando se utiliza etoposide.
Indicações da cirurgia
Histerectomia total abdominal
· Cirurgia profilática nas pacientes idosas, (>35-40 anos) que completaram a prole e não desejam mais engravidar;
· Em casos de seqüelas proliferativas resistentes à quimioterapia;
· Hemorragias genitais incoercíveis ou de repetição
· Em casos de perfuração uterina pela tumoração;
· Útero excessivamente volumoso, sangrante e resistente à quimioterapia.
Cirurgia para a remoção de nódulos vaginais metastáticos é formalmente vedada, em virtude da intensa vascularização da lesão e do risco de causar hemorragia, por vezes incontrolável.
Equipe multidisciplinar
Todo centro de referência deve trabalhar com equipe multidisciplinar: psicologia, serviço social, enfermagem especializada, entre outras.
Conclusões
No passado, muitas mulheres morriam de doença trofoblástica. No curso dos últimos 50 anos, entretanto, muito se aprendeu a respeito da biologia, da patologia e da história natural desta contrafação reprodutiva. A exação no diagnóstico e os métodos de monitoração se desenvolveram ao mesmo tempo em que os regimes terapêuticos se tornaram eficientes, transformando a neoplasia trofoblástica gestacional em uma das mais importantes histórias de sucesso da moderna oncologia, evitando que as mulheres morressem de seus tumores trofoblásticos.
Tal progresso está intimamente vinculado à criação de Centros de Referência.


ANEXOS

Metotrexate com “resgate” de ácido folínico (MTX/FC)
Dia 1- MTX 50 mg IM
Dia 2 – Ác. Folínico 5mg oral
Dia 3 – MTX 50 mg IM
Dia 4 – Ác. Folínico 5mg oral
Dia 5 – MTX 50 mg IM
Dia 6 – Ác. Folínico 5mg oral
Dia 7 – MTX 50 mg IM
Dia 8 - Ác. Folínico 5mg oral

Repetir o regime com intervalo de 1 a 2 semanas, no máximo. Após cada ciclo monitorar crase sangüínea e função hepática com : Hemograma completo, leucometria, plaquetometria e TGO.

2. Actinomicina-D
Dia 1 – Actinomicina-D 500 mcg IV
Dia 2 – Actinomicina-D 500 mcg IV
Dia 3 – Actinomicina-D 500 mcg IV
Dia 4 – Actinomicina-D 500 mcg IV
Dia 5 - Actinomicina-D 500 mcg IV

Repetir o regime com intervalo de 1 a 2 semanas, no máximo. Após cada ciclo monitorar crase sangüínea e função hepática com : Hemograma completo, leucometria, plaquetometria e TGO.

EMA/CO
Regime em duas etapas com intervalo de uma semana
Etapa 1 - EMA
Dia 1.
Ondasentron – 8 mg IV em 500ml de soro glicosado em 1 hora
Etoposide: 100mg/m 2 em infusão venosa lenta; 250ml de soro fisiológico durante 30 minutos.
Actinomicina-D 500mcg IV direto
Metotrexate: 100mg / m2 IV direto
Metotrexate 200mg/ m2 em infusão venosa com soro fisiológico durante 12 horas

Dia 2
Ondasentron – 8 mg IV em 500ml de soro glicosado em 1 hora
Etoposide: 100mg/m 2 em infusão venosa lenta em 250ml de soro fisiológico durante 30 minutos.
Actinomicina-D 500mcg IV direto
Ácido folínico 15 mg por via oral ou IM, de 6/6 horas (4 doses) iniciando 24 horas após a primeira aplicação de Metotrexate.

Após 5 dias de intervalo

Etapa 2 –CO

Ciclofosfamida 600 mg /m 2 em 500ml de soro fisiológico durante 1 hora;
Oncovin 1 mg /m 2 IV (2g no máximo)
Repetir o regime com intervalo de 1 a 2 semanas, no máximo. Após cada ciclo monitorar crase sangüínea e função hepática com : hemograma completo, leucometria, plaquetometria e TGO.








EP/ EMA
Dia Agente Dose
1 Etoposide 150mg/m 2 em infusão durante 30 minutos
Cisplatina 25mg/m 2 IV em 1 L de soro fisiológico e 20
mmol de CLK durante 4 horas
Cisplatina 25mg/m 2 IV em 1 L de soro fisiológico e 20
mmol de CLK durante 4 horas
Cisplatina 25mg/m 2 IV em 1 L de soro fisiológico e 20
mMmol de CLK durante 4 horas
Dia
8 Etoposide 100mg/m 2 IV durante 30 minutos
Metotrexate 300 mg/m2 IV durante 12 horas
Actinomicina-D 500 mcg /m 2 IV em bolo
9 Ácido folínico 15mg via oral ou IM de 12/12 h,
4 doses, iniciando 24 horas após a infusão de metotrexate

EMA/EP inverte a seqüência do regime EP/EMA acima exposto
BEP
Dia 1 Bleomicina – 30mg IV
Etoposide – 150mg/ m 2
Platina – 100mg/ m 2

Dia 2 – Etoposide 150 m 2

Dia 3 – Etoposide 150 m 2
Repetir o regime a cada 21 dias



SOCIEDADE BRASILEIRA DE NEOPLASIA TROFOBLÁSTICA GESTACIONAL



DIRETORIA

Presidente - Paulo Belfort (RJ)
Vice-Presidente - Maurício Viggiano (GO)
Secretário - José Mauro Madi (Caxias do Sul – RGS)
Tesoureiro – Bruno Maurizio Grillo (PR)






Publicação de Educação Médica